6 de abril de 2008

Carregar o Passado



A incapacidade, ou melhor, a relutância de a mente humana abandonar o passado é maravilhosamente ilustrada na história de dois monges Zen, Tanzan e Ekido, que caminhavam ao longo de uma estrada em terra batida, que tinha ficado completamente enlameada depois de umas fortes chuvadas. Perto de uma aldeia, depararam-se com uma rapariga que queria atravessar a estrada, mas a lama era tanta que teria arruinado o quimono de seda que trazia vestido. Tanzan prontificou-se a pegar nela ao colo e transportou-a para o outro lado.
Os monges prosseguiam o seu caminho em silêncio. Cinco horas mais tarde, quando se aproximavam do templo onde estavam instalados, Ekido não se conseguiu conter mais, “Porque levaste aquela rapariga ao colo para o outro lado da estrada?”, perguntou ele. “Os monges não devem fazer esse tipo de coisas.”
“Eu deixei a rapariga lá há várias horas”, respondeu Tanzan, “Mas tu ainda estás com ela ao colo?”
Agora imagine como seria a vida de alguém que é sempre como Ekido, incapaz de abandonar internamente as situações, ou reticente em fazê-lo, acumulando cada vez mais “tralha” dentro de si, e poderá ter uma ideia de como é a vida para a maioria das pessoas no nosso planeta. Que pesado fardo do passado carregam nas suas mentes!
O passado continua vivo dentro de nós através das memórias, mas as memórias em si não constituem um problema. Na realidade, é através delas que aprendemos com o passado e com os erros do passado. Só quando as memórias, ou seja, os pensamentos sobre o passado nos dominam por completo é que se transformam num fardo, se tornam problemáticas e passam a fazer parte da nossa noção de identidade. A nossa personalidade, que é condicionada pelo passado, transforma-se então numa prisão. As nossas memórias estão imbuídas de uma noção de identidade, e a nossa história converte-se na pessoa que julgamos ser. Este “pequeno eu” é uma ilusão que encobre a nossa verdadeira identidade, a Presença intemporal e informe (O Eu Sou).
Contudo, a nossa história não consiste apenas na memória mental, mas também na memória emocional – antigas emoções que são permanentemente revividas. Como no caso do monge, que carregou o fardo do seu ressentimento durante cinco horas, alimentando-se com os seus pensamentos, a maior parte das pessoas carrega uma enorme quantidade de bagagem desnecessária, tanto mental como emocional, ao longo da sua vida. As pessoas limitam-se a si próprias através de mágoas, arrependimentos, hostilidades, culpa. O seu pensamento emocional tornou-se a sua identidade e, por isso, ficam presas às antigas emoções, visto que estas fortalecem a sua identidade.
Devido à tendência humana para perpetuar antigas emoções, quase todas as pessoas carregam no seu campo energético uma acumulação de dor emocional antiga, a que dou o nome de “corpo de dor”.
Porém, podemos parar de acrescentar coisas ao corpo de dor que já possuímos. Podemos aprender a quebrar o hábito de acumular e perpetuar antigas emoções batendo as nossas asas, metaforicamente falando, e abstendo-nos de viver mentalmente no passado, quer algo se tenha passado ontem quer há trinta anos. Podemos aprender a não manter as situações ou os acontecimentos vivos nas nossas mentes, mas a voltar a focar a nossa atenção continuamente no momento presente primitivo e intemporal, em vez de estarmos presos aos filmes que elaboramos mentalmente. Então, é a nossa própria Presença que se torna a nossa identidade, em vez dos nossos pensamentos e emoções.
Nada do que possa ter acontecido no passado nos pode impedir de estarmos presentes agora; e se o passado não nos pode impedir de estarmos presentes agora, que poder tem ele?

Excerto do livro “Um Novo Mundo – despertar para a essência da Vida, de Eckhart Tolle”

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